Velha conhecida da humanidade, a loucura esteve ligada a várias compreensões ao longo da História, sendo a loucura feminina, em muitos momentos, associada à sexualidade e liberdade.
Alguns registros que remontam ao Egito Antigo atribuíam ao interior do corpo da mulher uma condição de malignidade, pela presença do útero e pelas particularidades desse órgão, que, ao deslocar-se pelo corpo, produziria sintomas semelhantes aos atribuídos ao quadro atual de histeria – do grego hystera, que significa útero -, compreendido como um protótipo de loucura.
Outro fragmento da compreensão a respeito da loucura na Idade Antiga é a Teoria dos Humores de Galeno, na qual a melancolia era associada aos vapores advindos do sangue menstrual, causador de alucinações.
Ao longo da Idade Média, muitas foram as mulheres classificadas como bruxas pelo Movimento Inquisitor. No geral pobres e de origem rural, as chamadas bruxas apresentavam condutas ditas estranhas, indicativas de possessão demoníaca. Alguns desses quadros, seriam descritos como histeria, melancolia, mania, depressão e ansiedade – diagnósticos médicos reconhecidos atualmente em ambos os sexos.
Além disso, outras características dessas mulheres seriam suas competências ou poderes anormais frente à sua condição social dentro da comunidade: também denominadas como feiticeiras ou mulheres sábias, as denominadas bruxas conheciam as propriedades das ervas ou plantas com que preparavam poções e unguentos eficazes no tratamento de doenças tanto físicas quanto mentais. Uma sabedoria Matriarcal ancestral direcionada para a cura de uma população que não tinha condições de acessar o cuidado médico formal da época, massivamente masculino.
Uma terceira caracterização acontecia através da voluptuosidade, acusações de transgressão à ordem moral, prática da prostituição, adultério e aborto. Tratava-se de mulheres que não haviam se integrado à sociedade pelo casamento, procriação, produção doméstica, convertendo-se em símbolos da subversão para a época.
A caça às bruxas, fortaleceu a associação entre mulheres e a loucura, o livre exercício da sexualidade, a existência fora do casamento e a maternidade e cumpriu dois objetivos: o primeiro foi a eliminação das mulheres que praticavam a medicina empírica, e, segundo, a disseminação do terror na população feminina, o que facilitaria sua normatização social.
Ao longo da Idade Moderna, difundiu-se pela Europa a relação traçada entre o útero e a regulação da saúde mental da mulher. Junto a isso, corria a ideia de inferioridade da mulher frente ao homem, seja do ponto de vista físico, seja do ponto de vista mental, já que permanecia intimamente ligada a seus processos fisiológicos, escrava desta fisiologia, desta natureza própria, sob a ordem dos seus órgãos genitais.
Era atribuído ao sangue mensal colocar mulheres doidas e furiosas, e considerava-se que beber o sangue de uma mulher menstruada poderia enlouquecer um ser humano. A perda do apetite, do sono, do interesse pelas atividades do cotidiano, até um furor amoroso que impelia a mulher a atos classificados como indecentes eram a forma de identificar a melancolia, quadro este que permitiria à mulher ser atingida pela histeria e pela ninfomania. O mistério da procriação e o caráter cíclico da fisiologia feminina aproximavam a mulher da natureza, ou tornavam-na mais informada dos seus segredos.
Entre o final do século XVII e o início do XVIII, houve o declínio da crença e do extermínio das bruxas, emergindo tanto a figura do médico na identificação da loucura, como a prática de internação nos grandes asilos, estabelecida como a base da psiquiatria nascente, disciplina que se propunha a investigar e tratar a loucura.
A associação entre a visão psiquiátrica da loucura, compreendida como doença mental, e o modo capitalista de produção permitiu a adoção de critérios de utilidade e produtividade dentro da sociedade: a internação tornou-se o destino de muitos indivíduos considerados incapazes para o trabalho ou desviantes sociais, como mendigos, pobres de toda ordem e desempregados.
No caso das mulheres, a internação envolvia aquelas que exerciam a função de prostituta ou filhas de artesãos e outros pobres, que tivessem sido ou corressem o risco de serem seduzidas. Além da internação, outras formas de lidar com a loucura feminina podem ser identificadas nesse período: o temperamento nervoso da mulher poderia ser responsabilizado por alterações dos estados de alegria, tristeza, vivacidade e melancolia, devendo-se, portanto, evitar quaisquer excessos, de forma a prevenir alterações no sistema nervoso. Como tratamento, recomendava-se a alimentação baseada em vegetais, passeio no campo, banhos, laxantes e sanguessugas. Mais um dos muitos mecanismos sociais para desacreditar e enfraquecer as mulheres e tudo que advinha do universo feminino.
Perceba que o que vivemos hoje, os pesos, a sobrecarga, as discrepâncias de gênero e a falta de percepção do real papel da mulher na sociedade é algo muito antigo e muito enraizado em nossa sociedade moderna.
Nos foi tirado o direito de adoecer e o direito de nos curarmos.
Voltar nosso tempo e nossa atenção ao resgate desse lugar de construção é urgente e necessário, pelo bem das gerações futuras, pelo nosso bem.
Lembre-se, os cuidados com a sua saúde começam por aqui e será um prazer te acompanhar nessa trajetória, marque sua consulta!
Dra. Grazielle Bazoli
CRM-SP: 165502